Amor Líquido: 7 Contradições dos Relacionamentos Modernos
Quantos amores verdadeiros você já teve?
Em nossa época, é normal que as pessoas chamem de amor mais de uma de suas experiências de vida. Contudo, essas mesmas pessoas jamais garantiriam que o amor que atualmente vivenciam é o último.
Pelo contrário: a expectativa de que novas experiências como essa sejam vividas em breve permanece viva.
Isso porque a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está fora de moda.
Nos últimos 100 anos, a radical alteração das estruturas de parentesco abriu as portas da facilitação dos testes que uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”.
Ao invés de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados.
Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra “amor” expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo, por exemplo, são referidas por muitos com o codinome “fazer amor”.
Você está prestes a analisar 7 fatos contraditórios presentes na maioria dos relacionamentos modernos.
- Uma Exercitada Incapacidade de Amar;
- Reféns do Destino;
- Desejo vs. Amor;
- Filhos;
- Um Paradoxo Desagradável;
- Duas Grandes Perversões;
- A Receita Perfeita da Relação de Bolso.
Por fim, vale lembrar que as reflexões desse artigo são pequenos resumos do livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman.
1. Uma Exercitada Incapacidade de Amar.

Num mundo de amor líquido, a súbita abundância das “experiências amorosas” podem alimentar a convicção de que amar é uma habilidade que pode ser adquirida com a prática.
Então, o domínio dessa prática aumentaria conforme o acúmulo de experiências. Assim, é normal sentir a expectativa de que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que aquela que estamos vivendo agora… E assim por diante.
Essa é, contudo, uma ilusão.
Aquilo que muitos chamam de amor não passa de episódios intensos, curtos e impactantes, marcados por sua fragilidade e curta duração. Assim, as únicas habilidades adquiridas são sobre como “terminar rapidamente, e começar do início”.
É tentador afirmar que o efeito dessa aparente “aquisição de habilidades” tende a ser o desaprendizado do amor. Puro amor líquido.
Uma exercitada incapacidade de amar.
2. Reféns do Destino.

É da natureza do amor verdadeiro ser refém do destino.
No Banquete de Platão, Diotima de Mantineia ressaltou para Sócrates que o amor não se dirige ao belo, mas sim ao nascimento do belo.
Nesse sentido, o amante busca criar algo belo – vínculos, laços, experiências – junto ao amado.
Em outras palavras, não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra seu significado, mas sim com o estímulo de criar essas coisas.
Em todo amor há pelo menos dois seres, sendo cada um uma grande incógnita na equação do outro. E é justamente isso que faz com que o amor se pareça com um capricho do destino.
Abrir-se ao destino significa, em ultima instância, admitir a liberdade no ser. Aquela liberdade que se incorpora ao outro no amor.
Assim, a satisfação no amor individual não pode ser atingida sem humildade, coragem e a disciplina.
Infelizmente, essas qualidades são raras na cultura do amor líquido.
Dessa forma, atingir a capacidade de amar se torna uma ainda mais rara conquista.
3. Desejo vs. Amor.

Desejo é vontade de consumir.
Absorver, devorar, ingerir. Aniquilar.
É a compulsão para preencher uma lacuna. Em sua essência, o desejo é um impulso para a destruição. É contaminado, desde a sua essência, pela vontade de encontrar seu fim.
O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar.
Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que está “lá fora”. No amor, o eu é, pedaço por pedaço, transplantado para o mundo.
O eu que ama expande-se por doar a si mesmo ao amado. O amor protege, alimenta, abriga. Coloca-se a disposição. Assume a responsabilidade.
Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir.
Enquanto a realização do desejo destrói seu próprio objetivo, o amor cresce com a aquisição deste. Se o desejo se destrói, o amor se perpetua.
Agora pare por um minuto, e olhe bem ao seu redor. Quem você realmente ama? O que você mais deseja?
O que isso diz sobre você?
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4. Um Paradoxo Desagradável.

Um relacionamento moderno é um investimento.
Você entrou com o tempo, dinheiro, esforços que poderia empregar para outros fins – mas não empregou.
Pelo contrário: sua expectativa é de estar fazendo a coisa certa. Assim, você acredita que seu esforço será retribuído de alguma forma, algum dia.
Nesse sentido, o primeiro lucro esperado por quem investe em um relacionamento é a segurança. A proximidade da mão amiga quando você mais precisa dela. O socorro na aflição. A companhia na solidão.
Mas esteja sempre alerta: quando se entra num relacionamento, as promessas de compromisso são “irrelevantes a longo prazo”.
Os reféns do amor líquido são como acionistas, que abrem o jornal logo pela manhã para conferir se hoje é dia de aumentar as posições de seus investimentos – ou se desfazer de todos eles.
Contudo, nenhuma empresa de análise estatística fará o cálculo do risco do seu relacionamento por você.
E assim você tem que seguir, dia após dia, por conta própria numa situação de incerteza permanente.
Isso nos leva a um ainda mais desagradável paradoxo: você espera segurança, mas acaba ainda mais inseguro.
Esse paradoxo, por sua vez, leva muitos a comprometer-se com relacionamentos de bolso, “irrelevantes no longo prazo”.
E, dessa forma, praticar o amor líquido.
Por fim, só se mudam os nomes que você dá à ansiedade.
5. Duas Grandes Perversões.

O amor é uma resposta à individualidade humana.
Nesse sentido, um dos principais atributos dessa individualidade é justamente a solidão.
Assim, o amor se torna uma das poucas respostas para as seguintes questões profundas: como superar a separação?; como transcender a vida individual? como encontrar a “harmonia com o todo”?
Contudo, a resposta tende a ser vaga nos relacionamentos modernos, cada vez mais carentes da habilidade da comunicação.
Num mundo de amor líquido, esse cenário contraditório (amor vs. falta de comunicação) produz duas grandes perversões.
Vamos chamar a primeira de “cheque em branco“. A segunda, chamaremos de “tela em branco“.
5.1. Cheque em Branco.

No cheque em branco existe certa preguiça associada ao medo de perder o comodismo de uma relação confortável.
Nesse caso, os participantes da relação seguem tentando agradar um ao outro, enquanto fingem que o problema principal – a falta de comunicação – não existe.
Com frequência, essa opção significa o respeito amoroso pelo outro: eu amo você, e por isso permito que você seja como insiste em ser, apesar das minhas próprias dúvidas em relação à sensatez da sua escolha.
De qualquer forma, jamais ousarei te contradizer, tampouco vou forçar você a escolher entre sua liberdade e o meu amor. Você pode contar com a minha aprovação, haja o que houver.
Meu amor é o refúgio tranquilo que sempre estará à sua disposição, mesmo quando você não o procurar.
Já que o amor não pode deixar de ser possessivo, minha generosidade amorosa é baseada na esperança.
Assim como um cheque em branco: um presente valioso, que raramente será encontrado em outro lugar.
Por outro lado, a falta de comunicação do amor líquido também é capaz de criar um segundo tipo de perversão.
5.2. Tela em Branco.

Na tela em branco, a possessividade amorosa acontece de forma livre e raivosa.
Afim de destruir a assimetria que existe entre si e a pessoa amada, o amante busca transformar o amado numa parte inseparável dele mesmo.
Aonde eu for, você vai também. O que eu faço, você faz também. O que eu aceito você também aceita. Você é meu clone.
Nessa perversão, é possível observar o traço de um ego expansivo e inseguro, que busca confirmar seus méritos incertos no reflexo do espelho.
Afinal, minha parceira é escolha minha.
EU a escolhi, exercendo a minha vontade soberana sobre uma multidão de anônimos, e chamei de minha companheira. Então ela, como tinha de ser, deve se tornar o MEU reflexo resplandescente.
Nesse processo, o ser amado transformou-se numa tela em branco. Suas cores naturais empalideceram, de modo a jamais se sobreporem e desfigurarem a figura do pintor.
Uma perversão agressiva, porém comum em tempos de amor líquido.
6. A Receita Perfeita das Relações de Bolso.

Dentro do amor líquido, uma relação de bolso bem sucedida é composta por duas características:
- É doce;
- Tem curta duração.
Ela é doce justamente porque tem curta duração.
Seus laços são frouxos, para que nenhum dos envolvidos precisem se desdobrar muito para mantê-la saudável.
Se o incômodo for constante, a solução é instantânea: troca-se de relacionamento por outro mais conveniente.
Além disso, um bom relacionamento de bolso deve atender duas condições principais.
A primeira é a sobriedade.
Nada de paixões à primeira vista. Jamais se deixe ser arrebatado pela paixão, e nunca permita que sua calculadora lhe seja tirada de suas mãos.
Quanto menor o investimento emocional, menor também a insegurança durante as flutuações desse mercado. Nesse cálculo, quem precisa sair ganhando é você. Sempre.
A segunda condição: mantenha o bolso preparado.
Isso porque você sabe que em pouco tempo a comodidade será convertida no seu oposto. Por isso, preste atenção em todos os sinais mínimos daquilo que está fora do contratado. Quando encontrar tais indícios, saiba que é hora de seguir adiante.
Mas sempre com o bolso livre.
7. Dois Elementos Inconciliáveis.

Desejamos uma uma vida solitária, porém acompanhada.
Nesse sentido, dois elementos inconciliáveis se misturam dentro dos relacionamentos modernos:
- Solidão e
- Compromisso.
De um lado, enxergamos a descrença generalizada na atual capacidade humana de assumir vínculos duradouros.
Do outro lado, vemos uma crescente necessidade de atenção.
Em meio a tudo isso, confundimos “parentesco” com “afinidade“.
Parentesco é um laço sólido. Incondicional, irrevogável, indissolúvel. Como os casamentos eram há algum tempo atrás.
Já a afinidade nasce da escolha.
Essa escolha, por sua vez, é a causa do parentesco das próximas gerações que estão por vir. Contudo, jamais haverá laços de parentesco entre duas pessoas que decidem por vontade própria estar juntas. E isso traz um dilema contundente.
Se a afinidade nasce da escolha, então ela precisa ser reafirmada todos os dias. A menos que novas atitudes sejam tomadas para renovar a afinidade, ela irá se deteriorar até se desintegrar.
O resultado: ninguém está seguro de si.
Assim, nesse mundo de amor líquido estamos dolorosamente conscientes de que um simples passo em falso pode ser fatal.
Cá estamos nós, equilibrados e desconfortáveis entre dois mundos contraditórios e cheios de pendências entre si, mas ambos desejáveis e desejados.
Afinidade ou parentesco? Solidão ou compromisso?
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Amor Líquido.

Esse artigo é um breve resumo das primeiras páginas do livro Amor Líquido, do sociólogo Zygmunt Bauman.
Sua leitura é simples, mas suas ideias são profundas o suficiente para transformar por completo sua forma de enxergar o mundo moderno.
Por isso, recomendo sua leitura.
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Olá tudo bem? Espero que sim 🙂
Adorei seu artigo,muito bom mesmo!
Abraços e continue assim.
Zigmund faz um comentario geral da sociedade descaracterizado quando pequenas comunidades fossem analizadas. Ambientes de atividades primárias as relações não ocorrem dessa forma havendo um conservadorismo dos valores incorporados dos pais e avós na preservacão da célula mater da sociedade que é a familia. Entretanto em centros urbanos maiores em que os laços são liquidos esse exemplo é o mais pasdivel de ocorrer diante da neurose em que as pessoas vivem. Habitualmente não vivem plenamente conscientes e diante da rotina furiosa da vida para sobreviver não há espaços pra relações concretas e aprofundadas o que demandaria tempo, persistência e dedicação entre os seres que se amam. Dai o amor líquido é o reflexo dessa modernidade e superficialidade no relacionqmento humanos.